Leia a bela reportagem de Augusto do Nascimento, para o jornal O Imparcial.
Faltando pouco tempo para o início do programa que mantém diariamente na Rádio São Luís, o locutor Rui Dourado, 72 anos, chega ao estúdio no bairro Areinha. Mas ainda há tempo para uma conversa com a reportagem de O Imparcial. Conhecedor como poucos da radiodifusão no Maranhão e em vários outros estados onde trabalhou, Rui Dourado afirma estar na estrada desde os 17 anos e, embora admita que ser locutor de rádio não rende muito dinheiro, ele compara com bom humor o ofício a umadoença que se pega e não larga mais.
No início, o ingresso na carreira de radialista ocorreu após uma nomeação para ser empregado de um banco, em uma época na qual não havia exigência de concurso público. O então adolescente não se identificava nem se adaptou à rigidez dos horários de entrada e saída do expediente bancário. Em uma manhã, ao acordar meio de ressaca, ele tomou a decisão de desistir da função de funcionário e deu seguimento à radiofonia.
Nos primeiros tempos, Rui Dourado chegou a trabalhar sem receber pagamento, apenas pelo aprendizado do ofício. Até que, ficando conhecido, surgiu um convite para ser radialista no estado do Piauí. Mas enquanto não se firmou com um contrato em Teresina, onde permaneceria por quase cinco anos, ele passou aperto, porque o que recebia não era suficiente para pagar a hospedagem e demais despesas.
A volta ao estado natal se deu por ocasião da inauguração da Rádio Gurupi, de onde ele sairia para a Rádio Difusora. É desse tempo um dos programas memoráveis da radiofonia maranhense, o Futebol de Meia Tigela, no qual Rui Dourado interpretava sozinho as vozes de diversos personagens que interagiam entre si. Segundo ele, foi o programa que à época lhe possibilitou ganhar dinheiro, apesar da dificuldade para receber de fato o que lhe era devido pelos empregadores. Na sequência, o radialista passou para outras paragens.
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Piauí. Rui Dourado enumera os estados nordestinos onde sua voz ecoou pelas ondas de rádio. Desse período, ele recorda os problemas que alguns ouvintes de Teresina quiseram causar por não entenderem as transmissões cômicas dos quadros Canela de Pau e O Pior dos Piores, os quais compunham o programa Futebol de Meia Tigela.
Quando regressou definitivamente ao Maranhão, Rui Dourado se empregou na Rádio Timbira, emissora que o acolheria até a década de 1990, e da qual chegaria três vezes à direção. “Empolgação é uma coisa perigosíssima no rádio, no jornal e na televisão”, diz o profissional experiente, que também trabalhou em televisão, ponderando que aprendeu a ser mais comedido com os comentários que faz no ar. Sendo assim, o humor foi um precioso recurso de que lançou mão para levantar críticas, como o emblemático personagem puxa-saco Xeleleu.
Para Rui Dourado, os radialistas de hoje são mais ativos e dispostos do que eram os locutores de sua geração, mais limitados pelas restrições impostas pela programação. “Hoje o radialista enfrenta a profissão. Se não sabe falar, vai aprendendo e vai em frente”, resume Rui Dourado, expressando a admiração que alimenta pelos jovens profissionais. Atualmente, o locutor revela que não trabalha mais pensando no retorno financeiro, pois os rendimentos da aposentadoria e de serviços de assessoria de comunicação o livraram da dependência de um salário.
Mas é hora de concluir a conversa com o repórter. Atendendo a um gesto de Totó, o operador de estúdio, Rui Dourado acomoda-se na cadeira de rodas e ajusta a posição do microfone. Quando a vinheta de abertura inicia discretamente, o aviso luminoso “No ar” já está aceso. “Alô, amigos, muito bom dia!” E é assim, no ar, que o ícone da radiodifusão maranhense inicia o que faz de melhor: informar e divertir seus ouvintes.
TRÊS PERGUNTAS PARA RUI DOURADO
1) Qual sua percepção do trabalho de radialista atualmente?
As mulheres estão tomando lugar [não apenas no rádio]. Elas são mais esmeradas e mais cuidadosas com o que fazem. Pode ligar as televisões e conferir. Os homens estão sempre em segundo plano, nas reportagens de rua. As mulheres têm se sobressaído, por acomodação dos mais jovens.
2) Como você lida com a criatividade no ar?
Faz parte de uma nova maneira de fazer locução. Se você se fechar só em ler o que não presta, você cansa. De vez em quando eu acrescento um ditado, uma brincadeira, alguma coisa, procurando desinibir quem está escutando e para não encher [o ouvinte] de miséria.
3) Qual sua opinião sobre o ouvinte maranhense?
A maior tolice do profissional é pensar que a pessoa que está escutando é besta ou tola. O cara mais exigente que tem em toda a comunicação, depois da televisão, é o ouvinte de rádio AM. Passei por vários locais, e o ouvinte mais exigente é aqui em São Luís do Maranhão, que não compra gato por lebre, sabe o que o locutor está dizendo e quando não está certo.