No último sábado, seguranças pararam dois jovens homens negros e altos na entrada do JK Iguatemi, um shopping center de luxo em São Paulo. Os homens jovens estavam usando tênis chamativos e camisas de times de futebol novas. "O que vocês estão fazendo aqui?", eu ouvi os guardas perguntarem. "Nós viemos comprar algo", explicou um. "Meu primo aqui é jogador de futebol. Do Bragantino."
Os seguranças não pareceram impressionados (o Bragantino é um time de divisão inferior), mas acabaram deixando que entrassem, onde compraram um par de sandálias e então foram embora. O tempo todo em que permaneceram no shopping eles mantiveram sua história –meu primo é jogador de futebol, moço, então temos o direito de estar aqui.
Naquela tarde, o JK Iguatemi estabeleceu uma zona de segurança rígida na entrada. Seguranças pediam documentos daqueles que "pareciam menores desacompanhados". Um segundo ponto de inspeção era direcionado àqueles que, bem, pareciam suspeitos, mas não menores de idade. Era perguntado a alguns visitantes qual era a intenção deles ou pedido que mostrassem um documento de identidade, caso alegassem trabalhar no shopping. Até onde eu percebi, pessoas mais velhas com pele clara e aparência mais rica não eram paradas.
A segurança do shopping foi reforçada por causa de um evento que foi divulgado no Facebook: o "rolezinho" –uma reunião de adolescentes da periferia pobre visando "beijar, curtir, tirar fotos e descolar algumas garotas". O rolezinho é um fenômeno que ganhou destaque na imprensa recentemente, no início de dezembro, quando cerca de 6.000 jovens apareceram no shopping Metrô Itaquera. Uma semana depois, algo semelhante aconteceu no Internacional Shopping Guarulhos; 23 pessoas foram presas (e posteriormente liberadas sem acusações).
Agora, como em resposta à repressão, os rolezinhos estão se disseminando depressa: há mais cinco programados em São Paulo nas duas próximas semanas e outras cidades estão planejando eventos de solidariedade. Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência para discutir o assunto.
Tudo isso porque alguns jovens queriam (como escreveram no Facebook): "subir a escada rolante que desce", "apertar todos os botões do elevador" e "entrar no cinema pela porta de saída". Alguns previram guerra de comida. "Vamos aparecer no shopping amanhã porque não temos nada pra fazer", eles escreveram, tudo isso com uma mistura de gírias e letras maiúsculas.
Desde o início, a classe média entrou em pânico. Lojistas chamaram a polícia. A Justiça concedeu liminar barrando os rolezinhos, apesar de não haver um movimento organizado –nada relacionado aos protestos políticos que varreram as cidades brasileiras em junho. Apenas um monte de jovens andando juntos e cantando.
Os bairros pobres onde muitos deles vivem ficam a cerca de duas horas de ônibus do centro e contam com poucas oportunidades gratuitas de entretenimento. São Paulo tem 64 parques e praças para uma população de 10,8 milhões; 13 dos 96 distritos municipais não contam com nenhuma área verde. Há 40 centros culturais, 41 centros recreativos e 23 piscinas públicas. O número de shoppings: 79.
Muitos dos adolescentes são fãs de um gênero de música brasileira chamado "funk ostentação", cujas letras falam de roupas caras, carros, relógios, mulheres e dinheiro. Vestindo bonés vistosos, tênis coloridos, camisas de times de futebol, óculos escuros e anéis, eles aspiram ser parte da mesma sociedade de consumo que os exclui.
No JK Iguatemi, um homem foi abordado e lhe foi pedido que mostrasse sua identidade de funcionário. "Isso é um absurdo, eu trabalho aqui", ele disse furioso. Ele defendeu o rolezinho: "As pessoas da periferia realmente precisam começar a invadir todos os lugares". Eu ouvi alguém dizer sarcasticamente: "Veja, ele está usando um boné! Prendam ele!"
No final, o rolezinho no JK Iguatemi nunca aconteceu –ele revelou-se um trote. O rolezinho real aconteceu a 25 quilômetros de distância, no mesmo shopping onde tudo começou, o Metrô Itaquera, no coração da periferia. Pouco a pouco, cerca de 3.000 jovens encheram os corredores, superando em número os seguranças e policiais. Alguns foram detidos e revistados, mas os policiais não encontraram nada ilegal. Eu fui ao Metrô Itaquera à tarde e não testemunhei nenhum ato de violência ou roubo por parte dos adolescentes. Havia apenas uma crescente tensão entre a polícia e os participantes, que foram ficando cada vez mais encurralados dentro do prédio, à medida que as lojas fechavam e as escadas rolantes eram desligadas.
A certa altura, um policial passou por mim dizendo: "Eu vou bater em todos vocês". E depois chutou um garoto aparentemente sem motivo nenhum. Quando eu o abordei e perguntei seu nome, dizendo que vi o que ele fez, ele prontamente arrancou sua identificação. Ele disse que eu deveria estar escrevendo sobre "pessoas importantes".
Outro policial disse para uma repórter que era melhor ela manter distância da polícia se não quisesse "tomar pedrada". Posteriormente, a polícia lançou bombas de efeito moral para dispersar a multidão no estacionamento do shopping.
Pelo menos seis shoppings obtiveram liminares na Justiça contra os rolezinhos, e a maior parte do público é a favor de uma ação drástica por parte da polícia. Alguns dizem que esses adolescentes são moradores de favela que deveriam estar procurando emprego e parar de ficar assustando pessoas decentes. Eles são vistos como criminosos e tratados como tal –daí a pressa em se identificar (ou o primo) como jogador de futebol do Bragantino, como se essa fosse a única forma de serem vistos como cidadãos reais.
A certa altura, eu vi um bando de jovens detidos e revistados no estacionamento. Eles agiam como se estivessem acostumados a isso e estavam sem expressão, até mesmo entorpecidos. "Podemos ir agora, senhor? Estamos liberados?", um deles perguntou. Eu certamente não seria tão educada.
(Vanessa Barbara, escritora, edita o site literário "A Hortaliça" e é colunista do jornal "Folha de São Paulo".)
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