Blog do Marcial Lima - Voz e Vez: Impunidade e inércia do Estado permitem crimes contra jornalistas, diz Fenaj

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Impunidade e inércia do Estado permitem crimes contra jornalistas, diz Fenaj

Alana Rodrigues, Lucas Carvalho, Cristh Lopes e Jéssica Oliveira
Do Portal Imprensa

O calendário de 2014 será marcado com eventos importantes, como a Copa do Mundo, possíveis manifestações e Eleições. No entanto,  com um tom imprevisível, podem-se levantar duas certeza: o povo, de um jeito ou de outro, estará nas ruas e os jornalistas terão muito trabalho. Infelizmente, além do aumento da demanda e do peso de cada cobertura, os profissionais de imprensa precisam estar atentos ao crescimento da violência contra a mídia. 

O último relatório da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) aponta o Brasil como o local que mais registrou mortes de jornalistas no exercício da profissão em 2013 em todo o hemisfério ocidental. Pensando nos perigos da profissão, especialmente neste ano, IMPRENSA faz uma série especial que retrata em quatro temas - Manifestações, Política, Comunidade e Futebol - os meandros da profissão. 

A primeira reportagem pode ser lida aqui. Na segunda, relembramos casos recentes de violência contra jornalistas que cobrem política (veja na galeria), apresentamos outros problemas que eles enfrentam e conversamos com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) para tentar entender o que motiva esses crimes e o que os mantêm ainda presentes num país democrático. 

Intolerância, impunidade e inércia
Não é de hoje que a Fenaj, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a RSF, por exemplo, alertam para a violência contra jornalistas no Brasil. Infelizmente, notícias de intimidações, ameaças, agressões, atentados e assassinatos contra a categoria têm sido constantes nos últimos anos. 

Somente nesta semana, dois jornalistas foram assassinados. Na quinta-feira (13/2), o dono do Panorama Regional, Pedro Palma, foi baleado na porta de sua casa em Miguel Pereira, no Rio de Janeiro (RJ); no domingo (16/2), o cinegrafista José Lacerda da Silva foi morto em Mossoró, no Rio Grande do Norte (RN). No caso do cinegrafista, o delegado responsável pelo inquérito descartou a hipótese do crime ter sido em função da profissão. Mas, em relação ao profissional carioca, há suspeita de que o assassinato seja retaliação a denúncias envolvendo prefeituras da região.

Para Celso Schröder, presidente da Fenaj, o maior combustível para crimes contra jornalistas é a impossibilidade que alguns setores da sociedade tem de conviver com a atividade jornalística, como a crítica e/ou a divulgação de interesses escusos, somada à "certeza" da impunidade.

Segundo ele, esse "combustível" fez crescer principalmente o número de crimes encomendados, como assassinatos e, em sua maioria, contra profissionais que cobrem política. "O que permite isso, de alguma maneira, é a inércia do Estado. O Estado brasileiro precisa reagir à altura do problema. O problema não é pequeno, não é simples, não diz respeito apenas a esse ou aquele jornalista, a essa ou aquela ONG ou empresa", afirma.

Apesar disso, para ele o mal não está na política em si mesma, mas "numa política privada que não dá conta da sua tarefa que é produzir o bem público. "Temos que exigir uma moralidade política, uma transparência, uma reforma política que permita uma maior cobrança e que ela não seja tida como uma afronta contra esse e aquele", ressalta.

Schröder defende uma ação do Estado. "As pessoas continuam matando porque se sentem legitimadas e sabem da impunidade. Estamos, de novo, atrasados. E não foi por falta de alerta dos jornalistas brasileiros, de fora do Brasil, de organizações nacionais e internacionais", opina.

Mataram o Kennedy errado
Kennedy Alencar tem muita experiência na cobertura de política, especialmente nos bastidores. Em Brasília desde 2000, o jornalista afirma que nunca passou por nenhum risco envolvendo a cobertura, mas sente uma agressividade muito grande na internet. "Há muita agressividade com as pessoas que fazem a cobertura política, numa tentativa de rotular. A mesma entrevista, a mesma notícia ou a mesma nota tem várias interpretações. O anonimato favorece isso", diz. 

Alencar acredita que essa interação faz parte do debate público, por isso faz questão de ler todos os comentários. "No Twitter, quem eu acho que é desrespeitoso, agressivo, eu bloqueio. Se a pessoa apresenta uma crítica civilizada, embasada, replico. Mas leio tudo. Não é possível ser jornalista, no mundo de hoje, na transparência, e não conviver com todo tipo de crítica", afirma. 

O jornalista lembra que em 1999, quando estava na Folha de S.Paulo, Antonio Carlos Magalhães mandou uma carta para o jornal dizendo "mataram o Kennedy errado". "Achei que a melhor maneira de respondê-lo era expor tudo publicando como ele lidava com jornalistas", recorda. Hoje, ele acha o episódio engraçado.

Em dias de campanha é comum ver candidatos cercados por microfones, gravadores, câmeras e repórteres em busca de uma declaração. Mas também há todo o aparato de segurança do político, além de seus apoiadores, que tentam justamente blindá-lo. "Lidar com a militância política não é fácil porque às vezes eles acham que nós somos culpados por muita coisa, e não somos. Estamos apenas fazendo nosso trabalho", afirma Gustavo Uribe, repórter de política há cerca de cinco anos. 

Uribe, que passou pelo Diário do Grande ABC, pela Agência Estado e atualmente está em O Globo, enfrentou pelo menos dois problemas com militantes. "Na primeira eu levei um chute nas costas de um militante petista, que começou a falar que eu não deveria perguntar essas coisas [sobre mensalão], que era da mídia golpista. Caí, meus colegas de trabalho me ajudaram. Teve outra vez que os jornalistas estavam no 'chiqueirinho da imprensa', e os militantes começaram a bater nas grades, ameaçando", lembra ele, sobre dois eventos com a presença do ex-presidente Lula. 

Além de ter vivido momentos de tensão, o jornalista lembra de colegas que já passaram por situações semelhantes, como um repórter agredido por um segurança do Serra, durante campanha em 2012. "Estamos trabalhando, não temos que ser agressivos. Nessas horas temos que manter a calma e conversar com as pessoas", diz. "Em política você recebe informações de todos os lados. Para quem cobre política todos os anos são importantes, mas o peso do jornalismo político cresce em ano eleitoral. Os partidos se atacam entre si, você está no meio no furacão, no meio da troca de tiros. Tem que tomar muito cuidado para não pegar no revólver de qualquer lado", compara.

Ricardo Chapola, repórter de política do jornal O Estado de S.Paulo há três anos, também recorda momentos de tensão na cobertura diária. Em 2013, um erro do Ministério Público o colocou como requerente de uma investigação contra Celso Russomanno, então candidato à prefeitura de São Paulo. "Sofri ameaças do assessor dele, que foi para cima de mim, apontou o dedo na minha cara e disse ‘você vai se ver comigo’. E o presidente do partido fez um monte de comentários sobre mim, me difamou, disse que eu sou um exemplo de jornalista que não deve ser seguido", lembra.  

Outro episódio ocorreu durante a prisão dos investigados do mensalão. "Os militantes ficaram revoltados com a presença da imprensa em geral e começavam a distribuir cotoveladas, quando a gente chegava perto de advogados e familiares. Eu não retruquei, não fui para cima, mas também sobrou para mim", explica. 

Apesar disso, ele acredita que os jornalistas que cobrem "Cidades" estão muito mais sujeitos a passar por esse tipo de situação. "Vai ser um ano difícil, porque vai misturar os protestos, política, esportes, pessoal na rua. Vai ser meio samba do crioulo doido", afirma. 

Uribe, de O Globo, também acredita que o ano será difícil. Ele, que cobriu as eleições de 2008, 2010 e 2012, espera que em 2014 a disputa seja boa e ampla. "As manifestações de junho mostraram que o eleitor está buscando alguma coisa diferente, nova, mas que não se identifica com os atuais candidatos. É um ano mais imprevisível que 2010", finaliza.

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