Blog do Marcial Lima - Voz e Vez: Dono de obra que desabou tinha “pressa” em entregar prédio, diz arquiteta

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Dono de obra que desabou tinha “pressa” em entregar prédio, diz arquiteta


Saiu no site da revista Veja.

A arquiteta Rosana Januário Ignácio, de 48 anos, afirmou que o dono da obra que desabou em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, “tinha pressa” em entregar o imóvel pronto. É ela quem assina o projeto encaminhado à prefeitura da capital para solicitação de alvará. Porém, Rosana disse que nunca chegou a estar na obra e que foi procurada, quando o prédio já havia começado a ser erguido, para regularizar a situação da construção – multada duas vezes e, por fim, embargada por problemas de documentação. Dez operários morreram no desabamento, sendo a maioria do Maranhão.

“Nunca estive na obra, nem no terreno. Sou responsável pelo projeto, não pela execução. Eu fui procurada para fazer um projeto de galpão comercial que fosse aprovável [na prefeitura]”, afirmou. Segundo Rosana, o dono do imóvel, Mostafá Abdallah Mustafá, a procurou em abril deste ano dizendo ter sido multado duas vezes por fiscais da prefeitura. Ela diz ter avisado a Mustafá para aguardar a concessão dos alvarás de aprovação do projeto e a posterior autorização para começar a construir o prédio, mas que ele queria "fazer o processo o mais rápido possível" e continuou a obra “como um louco”.

“Ele chegou com muita pressa. Eu falei com ele que era para parar [a obra] e esperar sair o deferimento como manda a prefeitura", contou. A arquiteta alertou ao comerciante que o procedimento poderia demorar um pouco. "Ele não respondeu nada. Eu fui fazendo as modificações para o projeto ser aprovado na prefeitura e depois ele adequar a obra", disse Rosana.

Pavimentos – Rosana disse não saber quem construiu o edifício e afirmou que Mustafá tocava a obra por conta própria. Ela afirmou que não sabia que o prédio em construção tinha dois andares já edificados quando ruiu – embora as plantas apresentadas à prefeitura fossem de imóvel de um andar. "Ele desrespeitou as normas que nos ditamos e desobedeceu o projeto."

Segundo o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Francisco Macena (PT), Rosana assinou os projetos na planta como arquiteta e responsável técnica pela execução da obra.

Rosana afirmou também que não sabia que a rede de lojas Torra Torra alugaria o prédio pronto nem que a Salvatta Engenharia havia sido contratada pela magazine para reformas no local.

O primeiro contato entre Rosana e Mustafá, disse ela, ocorreu depois que uma arquiteta que trabalhava para ele abandonou o trabalho. Ela desenhara o prédio original para o terreno de número 2.303 da Avenida Mateo Bei, onde antes funcionava um posto de gasolina. Rosana assumiu o projeto e foi solicitar as permissões à prefeitura. Ela afirma nunca ter trabalhado para Mustafá antes, mas também projetou outro imóvel do comerciante: um galpão residencial na mesma Avenida Mateo Bei, no número 1.902.

Troca de plantas – O primeiro pedido de alvará para a obra que desabou foi feito por Rosana no início de abril e negado no fim de maio. Ela usou a mesma planta feita pela arquiteta anterior, Lourdes de Campos, que desenhou um prédio térreo, com três galpões de tamanho igual.

Rosana disse “não se lembrar” por que entregou a planta de outra profissional com seu nome. O processo foi indeferido pela prefeitura – segundo Rosana, porque havia um erro representação gráfica da largura da Avenida Mateo Bei.

No dia 3 de junho, Rosana pediu a reconsideração do processo, mas anexou outra planta, bastante diferente. Desta vez, o imóvel era apenas um galpão, também de só um andar, com banheiros e uma edícula para caixa d’água. Entretanto, de uso residencial.

Encarregado de anexar a documentação, o filho de Rosana afirma ter anexado a planta errada ao processo, que ainda está em análise na administração municipal. “Naquela correria, eu não vi que o projeto estava como residência”, disse ela, para quem o processo ainda poderia ser retificado.

Depoimento – A arquiteta está sendo procurada pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea). Ela também deve depor à Polícia Civil. Segundo a perita do núcleo de engenharia do Instituto de Criminalística Mônica Bernardi Urias, foram encontradas plantas sem assinatura nos escombros. A perícia analisará os documentos e aguarda a apresentação de Rosana. Até agora, ela só foi ouvida no dia do desabamento, na Subprefeitura de São Mateus.

Ameaças – A advogada de Rosana, Sandra Mara Peciukonis, diz que a cliente está sofrendo ameaças, por telefone, desde quarta-feira, e que não pode trabalhar nem sair de casa. “Por causa das mortes dos pedreiros, as pessoas estão me ligando e me xingando, dizendo que vão me matar. Estou assustadíssima”, disse Rosana.

Para a advogada, a prefeitura tenta se eximir de responsabilidade por não ter lacrado a construção ou comunicado à Polícia Civil o desrespeito ao embargo. “A única finalidade das multas foi arrecadatória. A prefeitura não fiscalizou”, disse Sandra.

O advogado do comerciante Mostafa Abdulla Mustafá foi procurado para comentar as declarações da arquiteta, porém disse que não poderia atender à reportagem nesta quinta-feira.

A prefeitura, por meio de nota, afirma que a segurança da obra é de responsabilidade da construtora ou do engenheiro responsável. A administração municipal afirmou que aguarda manifestação da Salvatte e de Rosana, assim como dos donos e locatários do imóvel, “para os devidos esclarecimentos.” Sobre não ter lacrado a obra embargada, a prefeitura esclareceu que o bloqueio físico de obras por pendência documental não é habitualmente realizado pela administração. “As interdições realizadas pela prefeitura, em qualquer gestão, são geralmente baseadas em outros fatores, como risco ambiental, proteção do patrimônio, ou, conforme é mais relevante neste caso, a detecção de riscos de segurança das pessoas”.

Segundo a prefeitura, a Defesa Civil não foi notificada de riscos de desabamento ou abalos da estrutura da edificação, conforme relataram operários em depoimentos à polícia.